setembro 07, 2010

Trecho de Teatro Completo - Caio F. Abreu

[...]

Baby -
Quem é você para colocar um epitáfio sobre mim? Quem é você pra dizer que eu não dei certo? Por acaso você deu? Olhe dentro do meu olho e me responda: você se sente feliz? Você tem esperança? Eu não. Eu, cruamente, não.

Baby
- Quando olho pra mim mesmo, não gosto do que vejo. Mas quando olho pra você, gosto muito menos. Os amigos desaparecem no momento exato em que você precisa deles. O mundo te machuca. As pessoas te empurram nas filas, dentro dos ônibus, nas esquinas. Tudo grita na sua cara que você não vale absolutamente nada. Quando olho pra você, quando olho pra mim, não posso evitar de pensar que o homem é apenas um animal que não deu muito certo.

Baby - Quem se importa com meu olho escancarado e cheio de desencanto? Quem, entre todos vocês, estenderá a mão para passar no meu cabelo? Quem cantará um acalanto para a minha insônia?

Baby - Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Qaundo se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus. Não acredito nos seus, talvez também não acredite nos meus próprios. Não lhe peço que acredite em mim.

Baby - Quanto a mim, acredito nas plantas, nos animais. Acredito nos astros, nas águas. Acredito no vento que sopra da banda do rio quando o sol acaba de se pôr. Acredito na pedra bruta, na areia seca.

Baby - Como posso acreditar outra vez no humano?

EGO - Muitas gerações passaram. E muitas passarão.

[...]

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